terça-feira, 27 de março de 2012

Os territórios da cibercultura e os saberes coletivos


Este post refere-se às minhas reflexões após as leituras dos textos de Lemos1 e Corrêa2.

As novas tecnologias digitais promoveram, e promovem, a criação de novas fronteiras e a expansão dos limites das já existentes. Falar em limites territoriais na cibercultura é algo tão complexo que se faz necessário abrir novas discussões a respeito do significado da palavra território.
O alcance global proporcionado pela internet faz com que um número cada vez maior de pessoas transcenda os limites impostos pelo tempo e o espaço, conseguindo se fazer presente e se comunicar, tudo ao mesmo tempo, em locais separados por milhares de quilômetros e com um número cada vez maior de pessoas.
O ciberespaço, segundo Lemos, favorece novos processos de “desterritorialização” e também de “territorialização”, uma vez que, além de trazer informações a respeito de locais dos quais não fazemos parte fisicamente, promove a criação de novos territórios digitais. Mesmo quando estamos conectados à internet no conforto territorializado dos nossos lares, podemos estar desterritorializados ao participar de eventos ou viver experiências que não fazem parte efetivamente da nossa cultura local.
As possibilidades das tecnologias digitais, dentre elas a facilidade em romper as fronteiras físicas, facilmente ultrapassadas pelo alcance do ciberespaço, além da possibilidade de se manter uma comunicação mais interativa e não apenas receptiva de outras mídias, como, por exemplo, a televisão, fez das tecnologias em rede um ambiente fértil para a recombinação de vários processos comunicativos, inclusive o que podemos chamar de reestruturação da indústria cultural.
As comunicações em rede proporcionam um alto grau de interatividade entre um grande e variado número de pessoas, com culturas, pensamentos e ideias diferentes, o que pode favorecer a recombinação dessas culturas para a criação de novos produtos culturais. A recepção da informação, fato predominante na cultura massiva, reduzia drasticamente as possibilidades de criação, uma vez que esse tipo de comunicação é pautado na reprodução pura e simples. A cibercultura, ao contrário, fez surgir uma gama de possibilidades nunca antes vista, criando condições para que as pessoas sejam também autoras e produtoras de informações, proporcionando um ambiente colaborativo e compartilhado capaz de influenciar a criação de novas culturas e saberes, e por que não dizer, multiculturas.
Mas será que estamos preparados para todas as mudanças, cada vez mais rápidas, provocadas pelas tecnologias digitais? Conseguiremos nos adaptar às mudanças exigidas pelas revoluções tecnológicas que aconteceram e que ainda estão por vir? É possível construir novos saberes coletivos em rede ou simplesmente criaremos um novo espaço global onde frutificam ideias homogêneas que refletem o pensamento das classes dominantes?
Prefiro acreditar que o melhor caminho é nos aprofundarmos cada vez mais nos estudos das potencialidades das tecnologias digitais. A alienação não deverá, jamais, fazer parte de uma sociedade que dispõe das possibilidades informacionais como as que estamos vivenciando.
Saber explorar os potenciais das redes digitais de comunicação pode proporcionar uma verdadeira revolução social que, creio, ainda está por vir. Uma revolução que promova uma verdadeira inclusão sócio-digital e permita que a colaboração e o compartilhamento sejam muito mais do que apenas disponibilizar uma foto ou um arquivo em uma rede social, e sim que se constituam em práticas comuns em todos os âmbitos da sociedade.


1 LEMOS, André. Cibercultura como território recombinante. In: TRIVINHO, Eugênio; CAZELOTO, Edilson. (Orgs.). A cibercultura e seu espelho: campo de conhecimento emergente e nova vivência humana na era da imersão interativa. São Paulo: ABCiber; Instituto Itaú Cultural, 2009. p. 38-46. Disponível em: <http://abciber.org/publicacoes/livro1/a_cibercultura_e_seu_espelho.pdf>. Acesso em: 24 março 2012.

2 CORRÊA, Elizabeth S. CIBERCULTURA: um novo saber ou uma nova vivência? In: TRIVINHO, Eugênio; CAZELOTO, Edilson. (Orgs.). A cibercultura e seu espelho: campo de conhecimento emergente e nova vivência humana na era da imersão interativa. São Paulo: ABCiber; Instituto Itaú Cultural, 2009. p. 47-51. Disponível em: <http://abciber.org/publicacoes/livro1/a_cibercultura_e_seu_espelho.pdf>. Acesso em: 24 março 2012.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Diálogos com Bauman - Vídeo


Diálogos com Bauman

Muito boa a entrevista com Bauman. Em um vídeo1 curto ele consegue refletir sobre pontos importantes a respeito da condição social do homem pós-moderno.
Duas passagens da entrevista me chamaram bastante atenção: primeiro, com relação ao pensar o coletivo (ou o não pensar) da sociedade atual. Segundo, o modelo de relacionamento criado pelas redes sociais.
De fato, na velocidade do mundo atual, percebe-se que as pessoas estão cada vez mais preocupadas com o bem-estar individual em detrimento do bem-estar coletivo. O clima de competição em diversos seguimentos da sociedade, seja por uma vaga no mercado de trabalho ou por uma vaga no estacionamento de um shopping, por exemplo, pode ter favorecido o surgimento, ou crescimento, do “homem-individualis” (grifo nosso).
Com relação ao modelo de relacionamento, Bauman afirma que hoje em dia vivemos todos em uma multidão e sós ao mesmo tempo. Na “geração facebook”, denominada por Bauman, romper relações e tão natural e espontâneo quanto mantê-las: simples atos de conectar e desconectar.
Será que estamos nos tornando seres cada vez mais individualistas e superficiais, onde os laços afetivos e os anseios coletivos tornam-se meras utopias? Sera que a velocidade e fluidez do mundo atual tornaram a superficialidade algo corriqueiro? É possível que o avanço das tecnologias digitais contribuiu definitivamente para se instaurar essa nova ordem social?
É fato que as novas tecnologias influenciam cada vez mais a forma como estudamos, trabalhamos, nos entretemos, nos comunicamos, nos relacionamos e até como pensamos; porém creio não ser possível afirmar, como uma verdade universal, que essas tecnologias são as responsáveis pelo egocentrismo social que nos espreita.
Um exemplo da utilização das tecnologias digitais a favor do coletivo, mostrando que ainda podemos nos unir para discutir temas relevantes, é a utilização das redes sociais digitais para fomentar e organizar ações de interesse comunitário, como, por exemplo, a deposição de um ditador do mundo árabe ou levar adiante manifestações contra a desigualdade social e a ganância empresarial em várias partes do mundo (Ocupe Wall Street).
Um outro exemplo que podemos citar diz respeito ao software livre. Quando poderíamos imaginar que um modelo de criação e distribuição como esse seria viável em uma sociedade capitalista? Quando poderíamos pensar que um enorme grupo de pessoas ao redor do mundo dispõe de uma parte do seu tempo para dedicar a criação, aperfeiçoamento, distribuição, divulgação, dentre outras ações, de softwares de forma espontânea, onde, em muitos casos (arriscaria dizer que na maioria deles), não há nenhuma remuneração direta originada pela circulação desses softwares?
Mesmo que estejamos, infelizmente, vivendo em uma era onde o “ter” vale mais que o “ser”, não acho que as tecnologias digitais sejam as responsáveis pelo enfraquecimento de muitos dos valores sociais no mundo pós-moderno; afinal, essas tecnologias estão disponíveis para o uso, sendo que cada um de nós o faz da maneira que achar melhor. O que falta na maioria dos casos é uma maior compreensão dos potenciais das tecnologias digitais para que elas sejam utilizadas para o surgimento e fortalecimento de uma sociedade mais crítica, coletiva e participativa, que favoreça a inclusão sócio-digital dos seus membros em busca da conquista da cidadania.

1Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=POZcBNo-D4A

terça-feira, 13 de março de 2012

A Modernidade Líquida: prefácio e capítulo 3

As leituras dos textos de Modernidade Líquida (2001), obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, mais especificamente o prefácio, Ser Leve e Líquido, e o capítulo 3, Tempo/Espaço, trazem à tona algumas das discussões a respeito de temas ligados a atual sociedade.
Inicialmente, o autor trás as metáforas da “fluidez” ou “liquidez” como representantes do atual estágio da era moderna. Para o autor, os fluidos, diferentemente dos sólidos, possuem algumas características que melhor representam a era atual, como, por exemplo, a relação com o tempo e o espaço. Os fluidos não possuem uma forma inicial definida e, por não manterem qualquer forma com facilidade, estão sempre prontos a mudá-la, de acordo com o recipiente que lhes é apresentado. Os sólidos, por sua vez, por possuírem uma forma definida estão sempre “fixos” no espaço, conferindo pouca importância ao significado de tempo, já que, a priori, tenderão a manter sempre a mesma forma. Para os fluídos, o “tempo” conta mais do que o “espaço”, uma vez que os espaços tomados pelos fluídos somente serão ocupados em um determinado instante.
Segundo Bauman, a mobilidade, a inconstância e a rapidez, típicos dos fluídos, podem ser representados na modernidade através da nova importância dada àquilo que é durável. A durabilidade, outrora reconhecida e alardeada como característica importante dos produtos à venda, por exemplo, se mostra hoje um tanto quanto frágil diante da rapidez com que eles são substituídos. Para os grandes empresários da era moderna, a substituição, e não o durável, proporciona melhores margens de lucro, diferentemente do que em épocas passadas, onde o que importava realmente era fixar suas posses e repassá-las através das gerações familiares.
No capítulo 3, Bauman promove uma reflexão sobre tempo e espaço através da ótica da “modernidade leve” e da “modernidade pesada”.
Com relação ao espaço, neste caso o público não civil (não propício a práticas individuais de civilidade), o autor diferencia duas categorias: espaços que desencorajam a permanência e não favorecem a interação, e espaços sem interação social real, que privilegiam, sobretudo, o consumo. Os espaços da primeira categoria possuem ambientes imponentes, sem aconchego, como verdadeiras fortalezas, servindo para serem admirados e não visitados, tais como muitas praças cercadas por seus suntuosos prédios e tomadas pelo vai-e-vem das pessoas. Na segunda categoria, a função primordial seria transformar as pessoas em consumidores, sendo o consumo um ato absolutamente individual e não coletivo, por mais cheios que estejam os lugares de consumo, tais como shopping centers e pontos turísticos, por exemplo.
A ideia de espaço e tempo, segundo o autor, vem mudando com o advento da modernidade. Há algum tempo, os significados de palavras como “longe” e “perto”, “cedo” e “tarde”, não eram muito diferentes, uma vez que expressavam o esforço necessário para um ser humano percorrer uma determinada distância. Mesmo quando essas distâncias eram percorridas a pé ou a cavalo, por exemplo, a diferença de tempo e espaço não era tão gritante quanto hoje, uma vez que percorrer uma determinada distância usando as próprias pernas ou valendo-se da tração animal em nada se compara, com relação a tempo e espaço, a diferença abissal em percorrer distâncias a pé ou à bordo de um avião supersônico. O “hardware” passou a determinar a relação tempo-espaço.
Acontece que a era do hardware, ou “modernidade pesada”, definida por Max Weber como “era da racionalidade instrumental”, onde o tamanho das máquinas e a quantidade de aço e concreto estavam relacionados ao poder, ficou para trás. Agora, surge o “capitalismo de software” e da “modernidade leve”.
Na era do software, conforme Bauman, as diferenças entre tempo e espaço não mais existem. Os limites impostos pelo espaço perderam o sentido, pois pode-se, na era do software, alcançar todas as partes do espaço a qualquer momento, em qualquer instante. A esse respeito, pesam as possíveis consequências do imediatismo da era do software, onde o instantâneo, a realização imediata, podem significar, dentre outras coisas, a perda gradativa do interesse pela realização.
Bauman, em uma comparação entre as modernidades pesada e leve, desconstrói a ideia de que elas sejam totalmente diferentes e que não tenham nenhuma conexão. Para Bauman houve, sim, uma mudança de conteúdo, uma nova roupagem, onde, na era do software, as pessoas que se movem mais rapidamente, no ato, mandam nas que não podem deixar o seu lugar ou não conseguem mover-se com tanta rapidez. Ou seja, na modernidade leve, ou líquida, mandam os que são livres, “desengajados”, que não sentem remorso em substituir, que evitam o durável e cultivam o desapego.
Na era moderna estamos cada vez mais acostumados ao instantâneo, à velocidade proporcionada, principalmente, pelo avanço das tecnologias digitais, que estão cada vez mais presentes e disseminadas e possuem a capacidade de influenciar a vida humana das mais variadas formas. O ciberespaço, esse ambiente dotado de comportamento fluido, típico da modernidade, mudou, e vem mudando, radicalmente o convívio humano, e, embora em um primeiro momento esteja associado ao desapego, ao súbito, pode favorecer e proporcionar construções coletivas e colaborativas através de ações participativas dos seus navegantes.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001 (Prefácio e capítulo 3).