terça-feira, 9 de outubro de 2012

Software Livre não é software gratuito: uma outra lógica do software livre

É bastante comum, principalmente entre as pessoas não iniciadas na temática, confundir software livre com software gratuito.

Antes de entrar propriamente na discussão, gostaria de fazer, de uma forma rápida e sucinta, uma pequena descrição sobre as três categorias mais comuns de software, ao menos em termos de “comercialização/circulação”

- Software Proprietário: possui restrições impostas pelo seu criador, geralmente relacionadas ao pagamento de algum tipo de licença para ter sua utilização liberada. Estes softwares comumente possuem algum tipo de patente ou são registrados sob alguma lei de copyright e/ou propriedade intelectual;

- Software Gratuito: sua utilização não implica no pagamento de uma licença de uso, entretanto existem limitações, como, por exemplo, a não liberação do seu código-fonte para os usuários, impedindo ajustes e customizações no código, dentre outras limitações;

- Software Livre – permite aos seus usuários desfrutar de quatro liberdades, garantidas pela licença de uso GNU GPL (GNU General Public License ou Licença Pública Geral), a mais utilizada pelos projetos de software livre. São elas1:

. Liberdade para executar o programa;
. Liberdade para estudar o programa e adaptá-lo a sua necessidade. Para isso, é necessário que o software seja open-source, ou de código aberto;
. Liberdade para redistribuir cópias do programa;
. Liberdade para aperfeiçoar o programa e liberar as modificações.

É crença comum associar a cobrança de valores ao definirmos o tipo de software: se existe um valor a ser pago pela licença de uso, é proprietário; se não tem, é gratuito ou livre. Ou seja, a definição do tipo de software dar-se-á apenas por motivos financeiros. Acontece que até mesmo o software livre pode ser cobrado e isso não faz dele um software proprietário. O que geralmente acontece, neste caso, é a cobrança por algum serviço agregado ao software, como, por exemplo, uma caixa para embalar a mídia que contem o software, um manual de instalação, um contrato de suporte, dentre outros.

Uma outra crença é associar a cobrança de valores à qualidade do software. Quem nunca ouviu as expressões “se é de graça é ruim!!!” ou “não existe almoço grátis!!!”???. Não existe mesmo.

Quando pensamos apenas em uma redução de custos ao adotar o software livre, caímos na velha armadilha da utilização apenas instrumental, de consumo da tecnologia, e não partimos para um entendimento de outras dimensões que estão por trás da adoção das plataformas livres, como a produção livre, compartilhada e colaborativa de saberes e conhecimentos.

Primeiro, temos a questão da propriedade intelectual X a criatividade. É comum ouvirmos argumentos de que a propriedade intelectual favorece a criação e a qualidade dos produtos e que se não houvessem proteções desse tipo não haveria interesse em criar ideias e produzir, incluindo ai os softwares, já que não seria possível cobrar por essa ideias e auferir lucro. Acontece que a produção de software livre tem mostrado exatamente o contrário. Ela acontece de forma acelerada e conta com uma grande quantidade de colaboradores ao redor do mundo, produzindo ferramentas cada vez melhores, mais robustas e criativas que, não raro, são melhores tecnicamente que os softwares proprietários.

Acontece que justamente por contar com um grande número de colaboradores em seu desenvolvimento, o software livre pode ser permanentemente melhorado, tornando-se cada vez mais robusto e confiável. A esse respeito, é quase regra do mercado de software proprietário ao afirmar que grupos muito grandes de desenvolvedores tendem a ser difíceis de controlar, o que acaba refletindo na qualidade, e inclusive no custo, do produto final. Por isso as equipes devem ser enxutas, com os envolvidos tendo uma visão limitada do que estão fazendo, uma vez que lhes compete realizar apenas determinadas rotinas.

Quando penso em software livre imagino justamente o contrário: mesmo que uma maior quantidade de pessoa trabalhando coletivamente para o desenvolvimento de um software possa levar a uma maior incidência de falhas, esse mesmo grande número de pessoas tende a solucioná-las de forma mais rápida e criativa. Neste caso, quanto mais pessoas, menos erros. Quanto menos erros, melhores produtos. Ou seja, quanto mais pessoas participam do processo, seja desenvolvendo, distribuindo, divulgando ou contribuindo de alguma forma, mais o software livre tende a ser fortalecido. Afinal, a sabedoria popular diz que o olho do dono é que engorda o boi! Quanto mais “donos”, mais o “boi engorda”,

O software livre é muito mais que uma questão meramente técnica ou de mercado, existindo outras questões fundamentais em sua concepção.

A adoção de software livre pode, também, promover o surgimento e o fortalecimento de novas práticas baseadas nos seus ideais de liberdade, colaboração e compartilhamento. Atitudes em torno do compartilhamento e da livre circulação de ideias, da produção e não da reprodução do conhecimento, por exemplo, podem ser fortalecidas. Também, práticas de quebra de patentes de produtos vitais para todos, como a dos medicamentos, podem ser inspiradas nos fundamentos do software livre.

Para quem ainda não acredita no potencial das tecnologias livres, temos, dentre vários, o exemplo do sistema operacional GNU/Linux, que prova que esse modo de produção, aberta e colaborativa, pode, sim, ser extremamente viável.

A lógica por traz do movimento do software livre vai muito além das questões técnicas. O seu significado social e político pode ser tão ou muitas vezes mais importante que os aspectos técnicos envolvidos, uma vez que pode ser um passo importante para solidificar a ética e os pensamentos da filosofia livre em toda a sociedade.

Neste ponto, por que não pensarmos em uma correlação entre software livre e educação? Não seria essa educação que buscamos, coletiva, colaborativa, de qualidade, que ultrapasse a questão instrumental da utilização das TIC e promova um amplo debate que inclua o engajamento político, a coparticipação, a construção coletiva e a ênfase na criação?

1Ver detalhes em http://www.gnu.org/

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Alfabetização e letramento como pré-requisitos para o Letramento Digital? Alguns questionamentos.


As leituras a cerca das temáticas de letramento e letramento digital me trouxeram o início da discussão que coloquei em meu post anterior a respeito de inclusão digital. O termo letramento digital é autoexplicativo? Seria o letramento em ambientes digitais? E a alfabetização digital, onde entra nessa conversa?

Magda Soares, em seu texto “Letramento e alfabetização: as muitas facetas”1, alertando para uma possível contrariedade de sua proposta, discorre sobre a impossibilidade de separar alfabetização e letramento. A autora afirma que a alfabetização se dá por meio de atividades sociais de leitura e escrita, ou seja, através de práticas de letramento, sendo que este depende da alfabetização, com seus sistemas alfabético e ortográfico, para se desenvolver. São simultâneos e interdependentes, em uma concepção mais atual.

Transpondo para o ambiente digital, e de uma forma um tanto quanto simplória, podemos acreditar então que a Alfabetização Digital seria apenas o manuseio técnico das máquinas, enquanto que o Letramento Digital, mais do que a alfabetização digital, seria a “fluência” com as máquinas e a internet, com a compreensão das complexidades dos processos de leitura e escrita digitais próprias destes?

Pensando dessas forma, será que apenas dispor do suporte digital já garante o letramento digital para alguém “letrado” (desculpem, mas não encontrei termo melhor!)? Será que uma pessoa dita “letrada”, além de ser alfabetizada digital, pode ser instantaneamente considerada letrada digital?

Acredito que pensando assim, esquecemos as muitas particularidades e características inerentes aos suportes digitais. O hipertexto, como bem lembra o amigo Daniel, por exemplo, com sua não-linearidade, reina, criando novas formas de estruturarmos nossos textos, com inúmeros caminhos e possibilidades que podem ser a qualquer momento seguidos.

E as diferentes mídias suportadas pelos ambientes digitais; músicas, vídeos, animações, dentre outros, que promovem uma quase infinidade de formas de se expressar e que ampliam as maneiras tradicionais de leitura e escrita? Será que o letramento digital é reservado unicamente para as gerações contemporâneas, que já nasceram imersas e interconectadas? Ou será justamente o contrário, uma vez que muitos desses imersos fazem apenas leituras rasas, a chamada leitura dinâmica, quando encontram materiais mais densos e volumosos na rede? Será que os imersos também “desaprenderam” a escrever ou estão criando uma outra (ou nova) forma de escrita mais condizente com a, chamada por Baumann2, “geração facebook”?

Acho que, em se tratando de letramento digital, nada é tão exato que não possa ter várias interpretações.

O texto da profa. Bonilla3, por exemplo, traz à tona uma discussão que poderia parecer impensável há algum tempo: a possibilidade de pessoas, crianças e adultos, ainda em processo de alfabetização ou que não estão completamente alfabetizadas poderem utilizar o computador. O comportamento de muitos desse sujeitos ante o computador parece provar que isso é possível. As pessoas podem ter algum nível de letramento mesmo que ainda não alfabetizadas, e ainda têm a possibilidade de se apropriar de uma forma plena das potencialidades das tecnologias digitais a partir da sua interação com as mesmas.

Em minha pesquisa de mestrado, que versou a respeito das possibilidades da utilização das tecnologias digitais no apoio ao professor no processo de alfabetização de jovens e adultos, convivi com alguns depoimentos que realmente foram surpreendentes. Por exemplo, ouvi o relato de um aluno em processo de alfabetização inicial que tinha uma conta no Orkut (bastante usado na época), sendo que este recebia o apoio dos filhos para as atualizações do seu perfil. Surpresa também foi saber ainda que muitos dos adultos analfabetos andam de transporte coletivo e fazem compras com desenvoltura, grande parte das vezes sem nenhum auxílio.

Enfim...espero que as nossas discussões a respeito do tema sejam bem frutíferas e possam trazer muitas respostas para minhas inquietações....ou então, suscitar novas perguntas!!!


1 http://www.moodle.ufba.br/file.php/10203/Textos/alfab_letra_soares.pdf
2 Veja mais em http://www.harleivrosa.blogspot.com.br/2012/03/dialogoscom-bauman-muitoboa-entrevista_26.html
3 http://www.moodle.ufba.br/file.php/10203/Textos/nao_sei_ler_logo_nao_posso_usar_computador.pdf